
ESTRUTURA E ELEMENTOS
DE UM ROTEIRO DE FICÇÃO AUDIOVISUAL
Quais são os elementos básicos da construção de um roteiro audiovisual de ficção? Como pensar a estrutura desse roteiro? Por onde começar?
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Pesquisar sobre esse tema foi a minha proposta para o Edital de Chamada Pública 01-2021 - Pesquisa em Artes e Cultura (Prêmio Nelson Seixas), da Secretaria de Comunicação de S. J. Rio Preto. Para isso, fiz a leitura de 2 livros bem conceituados na área: "Story - Substância, Estrutura, Estilo e os Princípios da Escrita de Roteiro", de Robert McKee e "Manual do Roteiro", de Syd Field. Além disso, entrevistei uma roteirista profissional com bastante experiência na área, a Carolina Nishikubo, de São Paulo, para saber como funcionam esses conceitos todos na prática.
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Primeiramente, é preciso dizer que esses princípios, ou formas/estruturas de roteiros não são regras ou fórmulas infalíveis de sucesso. "Nenhuma noção de paradigma ou modelo de estória infalível para sucesso comercial faz sentido." (MCKEE, 2006, p.17) A estrutura é um modelo, um esquema conceitual que mantém a história coesa, mas que não determina a história.
POR ONDE COMEÇAR?
Primeiramente, é preciso identificar sobre o que é o seu filme.
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"Quem são esses personagens? O que eles querem? Por que eles o querem? Como eles tentarão consegui-lo? O que os impede? Quais são as consequências?" (MCKEE, 2006, p.31)
São essas perguntas que irão ajudar a moldar a história."Muita gente começa a escrever com apenas uma ideia vaga na cabeça. Isso funciona no início, mas depois desaba. Você não sabe o que fazer a seguir, ou aonde ir, fica irritado, confuso, frustrado, e desiste."(FIELD, 2001, p.13)
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No livro "Save the cat", o autor discorre sobre a importância de se conseguir descrever o tema em poucas palavras. Se não há uma resposta clara e objetiva, capaz de deixar quem quer que esteja ouvindo curioso ou interessado, repense. Então é um bom ponto de partida: antes de escrever o roteiro, tente responder: sobre o que é o meu filme?
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"Quando falamos sobre o assunto de um roteiro, estamos falando sobre ação e personagem. Ação é o que acontece; personagem, a quem acontece." (FIELD, p.11)
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O próximo passo é conhecer o seu final. Não é preciso saber detalhes específicos, mas saber o que vai acontecer no final é importantíssimo, pois você precisa saber para onde sua história está indo. É preciso ter uma direção, "uma linha de desenvolvimento que conduza à resolução, ao final.” (FIELD, 2001, p.96)
Assim que você tiver essas ideias claras (minha história é sobre esta pessoa, em tal lugar, vivendo tal "coisa"), o próximo passo é expandir o assunto, concentrando no personagem, acentuando os detalhes. E em muitos casos, isso significa reunir informações e pesquisar sobre seu tema de interesse.
"Pesquisas lhe dão ideias (...). Permitem que você adquira um grau de confiança, de maneira que fique sempre no controle de seu assunto, operando por escolha, não por necessidade ou ignorância." (FIELD, 2001, p.15)
A pesquisa pode ser tanto bibliográfica, em revistas, jornais e livros, quanto prática: entrevistar e conhecer pessoas amplia o entendimento sobre determinado tema e te dá informações para acentuar os detalhes do seu roteiro.
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A ESTRUTURA DE UM ROTEIRO DE FICÇÃO

Esta é a estrutura linear básica proposta por Syd Field, que sustenta todos os elementos do enredo no lugar. Esse é o paradigma (modelo, exemplo ou esquema conceitual) da estrutura dramática. Syd Field explica a divisão em 3 atos da seguinte forma:
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Ato I - Apresentação
Apresentação da história, dos personagens, da premissa dramática (assunto de que o filme trata), da situação (as circunstâncias em torno da ação).
Ato II - Confrontação
O personagem principal enfrenta obstáculo após obstáculo, que o impede de alcançar aquilo que ele quer vencer/ganhar/ter/alcançar.
Ato III - Resolução
O Ato III resolve a história."Qual a solução do roteiro? Seu personagem principal sobrevive ou morre? Tem sucesso ou fracassa? Casa-se com o homem ou a mulher ou não? Vence a corrida ou não? Ganha as eleições ou não?"
É por meio dos pontos de virada (plot point) que a história passa dos atos I para o II e do II para o III. "Ponto de virada é qualquer incidente, episódio ou evento que "engancha" na ação e a reverte noutra direção." (FIELD, 2001, p.6)
Em contraponto, Robert McKee apresenta uma outra divisão de história, com um design de cinco partes: "O Incidente incitante, o primeiro grande evento da narrativa, é a causa primária de tudo o que segue, colocando os outros quatro elementos - Complicações Progressivas, Crise, Clímax e Resolução - em movimento". (MCKEE, 2006, p.176) "O incidente Incitante primeiro deixa a vida do protagonista fora de equilíbrio, e então incita nele o desejo de restaurar esse equilíbrio." Já o clímax da história carrega consigo uma mudança absoluta e irreversível.
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Mckee discorre sobre um tema interessante, que são os valores de uma história: "Quando uma história começa, o protagonista vive uma vida mais ou menos equilibrada. Ele tem sucessos e fracassos, altos e baixos. Quem não tem? Mas a vida está relativamente sob controle. Então, talvez súbita, mas em todo caso decisivamente, um evento ocorre e desarranja radicalmente seu equilíbrio, mudando a carga de valores da realidade do protagonista para o positivo ou para o negativo." (MCKEE, 2006, p.184)
Para facilitar o entendimento, "Quando você olha para a carga de valores da situação da vida do personagem no começo da estória, e depois compara com a carga de valores do final da estória, deverá ver o arco do filme, o grande fluxo de mudança que leva a vida de uma condição na abertura a uma condição modificada no final.". (MCKEE, 2006, p.52)
Por exemplo, sua história pode trabalhar do negativo para o positivo: morto/vivo, ódio/amor, escravidão/liberdade, mentira/verdade, etc.

PERSONAGEM
Uma ferramenta interessante é criar biografias de seus personagens para conhecê-los a fundo. Essa biografia servirá somente para você, roteirista. Depois, os personagens serão revelados, principalmente, através de suas ações.
"Há uma diferença entre conhecer o seu personagem e revelá-lo no papel: A vida interior de seu personagem acontece a partir do nascimento até o momento em que o filme começa. É um processo que forma o personagem. A vida exterior do seu personagem acontece desde o momento em que o filme começa até a conclusão da história. É um processo que revela o personagem." (FIELD, 2001, p.19)
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“Muitos escritores inexperientes fazem coisas acontecer aos seus personagens; eles reagem em vez de agir. A essência do personagem é ação. (FIELD,2001,p.137)
"Todo drama é conflito. Sem conflito não há personagem; sem personagem, não há ação; sem ação, não há história; e sem história, não há roteiro." (...) É responsabilidade do escritor gerar conflito suficiente para manter o público, ou o leitor, interessado. (FIELD, 2001, p.5 e 16)
elementos
A CENA
A cena é o elemento isolado mais importante de seu roteiro. É uma unidade específica de ação onde algo acontece. Uma cena é tão longa ou tão curta quanto você queira. "Pode ser uma cena de três páginas de diálogo ou tão curta quanto um simples plano - um carro numa rodovia.” (FIELD, 2001, p.112) A cena é, geralmente, um fragmento de um todo. Toda cena tem duas coisas: LUGAR e TEMPO. E atenção: se você mudar o lugar ou o tempo ela se torna outra cena.
“Uma sequência é uma série de cenas ligadas, ou conectadas, por uma única ideia. É uma unidade, ou bloco, de ação dramática unificada por uma única ideia (...) com início, meio e fim definidos. (FIELD, 2001, p.80-81)
DESIGN DAS HISTÓRIAS

Diferentemente de Syd Field, que se apoia em apenas uma estrutura/forma de história, McKee comenta sobre algumas variações: "Os cantos mais distantes da arte criaram um triângulo de possibilidades formais que mapeiam o universo das estórias."
DESIGN CLÁSSICO
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Protagonista ativo que luta contra forças externas para perseguir seu desejo
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Final fechado com mudanças absolutas e irreversíveis (isto é, todas as questões levantadas pela estória são respondidas; todas as emoções evocadas são satisfeitas
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minimalismo
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A ênfase recai sobre suas batalhas com seus próprios pensamentos e sentimentos, consciente ou inconscientemente (conflito interno)
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Frequentemente deixam o final de certa forma aberto, isto é: "A maioria das questões levantadas (...) é respondida, mas uma ou duas questões não respondidas deixam rastros após o filme, passando ao público a tarefa de respondê-las depois."
ANTITRAMA
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Contradiz e talvez ridiculariza a ideia dos princípios formais do design clássico e tende para a extravagância e o exagero autoconsciente.
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Em alguns casos, as histórias mantêm-se estáticas, sem um arco. As cargas de valores da condição de vida do personagem no final do filme são virtualmente idênticas às do início.
Exemplos de antitrama são menos comuns, e são predominantemente europeus e do Pós-Segunda Guerra Mundial: (Um cão andaluz, 8 ½, Monthy Python em busca do cálice sagrado, Estranhos no paraíso) (MCKEE, 2006, p.55- 59)
A Minitrama e a Antitrama nasceram da Arquitrama - uma encolhe-a, outra a contradiz. (MCKEE, 2006, p.72)
Robert Mckee expõe as diferenças de conceito e ideias que rondam os termos "filme hollywoodiano" e "filme de arte". Além de diferenças como alto e baixo orçamento, efeitos especiais contra composição artística, financiamento privado contra ajuda governamental, o autor aponta visões de vida totalmente opostas, que é "estática" contra "mudança".
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"Cineastas hollywoodianos tendem a ser extremamente (alguns diriam totalmente) otimistas em relação à capacidade de mudança da vida - especialmente para o melhor. Consequentemente, para expressar essa visão eles confiam na arquitrama e em uma porcentagem excessivamente alta de finais positivos. Cineastas não hollywoodianos tendem a ser extremamente (alguns diriam "chiquemente"pessimistas em relação à mudança, professando que quanto mais a vida muda, mais ela fica igual, ou, pior, que a mudança traz sofrimento. Consequentemente, para expressar a futilidade, a destruição e a ausência de significado da mudança, tendem a criar retratos em forma de Não Trama ou Minitramas e Antitramas extremas com finais negativos. (MCKEE, 2006, p.68)
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referências
MCKEE, R. Story: substância, estrutura, estilo e os princípios da escrita de roteiro. Curitiba: Arte &Letra, 2006.
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FIELD, Syd. Manual do roteiro. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001.
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Agora que você conheceu um pouco mais sobre o universo dos roteiros audiovisuais, não deixe de conferir a entrevista com a Carolina Nishikubo, roteirista profissional residente em São Paulo, com experiência em longas e séries de ficção!
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